domingo, 2 de maio de 2021

CORES QUE FAZEM SENTIDO - laranja

 

Casal de camponeses à porta de casa

Roberto Cunha (Calheta, 1901 - Funchal, 1966)

Barro  

Portugal, Madeira, 1948


Peça de barro cozido (terracota) que retrata um casal de camponeses, idosos, nos seus afazeres quotidianos. Apenas uma parcela da fachada da casa está representada, a parede de pedra aparelhada e a porta entreaberta. Na frente a anciã, de pé e com as mãos ocultas sob o avental, observa o homem, sentado à soleira, ocupado a moer o cereal. Não existe pose, o momento é captado com a naturalidade do dia a dia, como um registo onde o observador não interfere, nem é percebido. Nada atrapalha a descontração e a intimidade do casal, ele concentrado na sua tarefa e ela ligeiramente inclinada, espreitando o resultado, a farinha que cai no pano estendido no chão. 

Mas se a cena parece espontânea, o registo não o é. Nada escapa ao olhar arguto do artista que não se poupa nos detalhes, talvez preocupado em fixar uma ruralidade em vias de desaparecer. Não descura as características físicas e o traje de cada personagem, ela de cabelo repartido e preso atrás num carrapito, de blusa e saia sob o avental, e ele de barbas, barrete de orelhas na cabeça, camisa, calças compridas e descalço. À maneira de uma recolha etnográfica fixa o modo como o camponês aciona o moinho de mão, segurando o cabo com a mão direita, mantendo um punhado de cereal na esquerda, o pano para a recolher a farinha em baixo e o saco do grão próximo. Sempre atento aos pormenores, nem se esquece de incluir a panela de ferro e a caixa onde crescem plantas junto à entrada. 

O autor, Roberto Cunha, é um autodidata, com um dom artístico inato, em especial para trabalhar o barro, matéria que explora, tirando o máximo partido da sua plasticidade e cor.  Deste modo os seus melhores trabalhos não são pintados, nem precisam de o ser, porque a cor única foca a atenção e valoriza o detalhe. O tom quente, alaranjado e uniforme do barro cozido, realça o virtuosismo da modelação e da moldagem, as duas técnicas que utiliza nas suas esculturas. E virtuoso é de facto o adjetivo que melhor classifica o artista que se esmera em criar peças de tamanho reduzido, como esta que não ultrapassa os 12,5 cm, com um detalhe e rigor inesperados.

Roberto Luís Paiva e Cunha estudou no Funchal, na Escola Industrial António Augusto Aguiar, e teve aulas de desenho e pintura com Alfredo Bernes. Apesar de se ter iniciado como desenhador numa casa de bordados, os seus 40 anos de carreira profissional passaram-se na “The Western Telegraph Company Limited”, mais tarde integrada na “Cable and Wireless”, onde trabalhou como telegrafista e mecânico. Em 1929 foi um dos fundadores do Re-nhau-nhau, conhecido periódico trimensal humorista, sendo um dos seus principais caricaturistas. Assumiu ainda, por alguns anos, a direção artística da Olaria Funchalense e desde então a sua atenção virou-se para o barro, material em que revela um esmero e uma qualidade artística notáveis. Data da década de 30 o início da sua produção em figurado de barro. Nesse âmbito dedica-se especialmente à miniatura representando através dela tipos populares e costumes regionais. Floristas, bordadeiras, vendedores de botas, borracheiros, camponeses em lides quotidianas, a corça, os carreiros do Monte e de bois e até banhistas no Lido, são alguns dos seus trabalhos mais conhecidos que ainda hoje se mantêm dispersos na posse de familiares, de alguns privados, ou integrados em coleções públicas, como é este o caso da Casa-Museu Frederico de Freitas.


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