Caneca
Barro vidrado
Rosa Ramalho (Galegos, 1888- Galegos,1977)
Barcelos, Portugal, séc. 20
De forma inesperada e da cor do trigo maduro, AMARELO quente e luminoso, esta caneca antropomórfica é claramente um objeto decorativo. Tem formato cilíndrico e asa de perfil em C. Apresenta um rosto masculino, com bigode, barbicha, nariz e orelhas salientes e a assinatura “RR” bem visível, incisa, junto à base. Estas iniciais identificam a autora, Rosa Barbosa Lopes, mais conhecida por Rosa Ramalho ou “Ramalha”. Nascida na freguesia de Santa Maria de Galegos, em Barcelos, a 14 de agosto de 1888, era filha de uma tecedeira e de um sapateiro, cuja alcunha “Ramalho” herdou. Aprendeu a fazer figurado de barro ainda menina, em casa de uma vizinha, mas torna-se moleira aos 18 anos, adotando a atividade do marido, António Mota. Só 50 anos volvidos, já viúva e com os filhos criados, regressa ao figurado de barro. Atividade tendencialmente feminina, uma vez que só os homens se sentavam na roda de oleiro para fabricar objetos utilitários. Nessa altura o figurado ou bonecagem, era moldado a partir de sobras das olarias e estava vulgarmente associado a apitos ou a paliteiros.
As suas primeiras peças são em barro não vidrado, pintado com tintas não cerâmicas, nas cores vermelho, verde e azul, ou simplesmente, sem qualquer pintura. Depois trabalha o barro vidrado a uma só cor, usa sobretudo o castanho mel, mas também o verde e o amarelo, como neste caso. Eram usados os vidrados de chumbo coloridos com óxidos, de ferro para obter as cores amarela e castanho-melada, e de cobre para o verde.
Inspirada nas histórias ouvidas em criança, cria um mundo de figuras diabólicas, com diabos para todos os gostos, seres fantásticos ou imaginários, onde abundam sereias, bichos-homens e medusas. Apresenta também a sua visão terrena, retratando personagens populares nas suas lides quotidianas, como músicos, carros de bois, matança do porco e diversos animais, cabras, porcos, lagartos, sardões, pombas, galos e galinhas. Aventura-se mesmo na representação sacra de temas da vida de Cristo, da Virgem e dos Santos. Vende o seu figurado nas feiras e nas festas populares e o seu trabalho chama a atenção. Se bem que inspirado nas raízes ancestrais da tradição oleira dos bonequeiros de Barcelos, mostra rasgos de originalidade e de criatividade nunca vistos.
Será o pintor António Quadros, atento à sua produção, o primeiro a divulgá-la na Escola Superior de Belas Artes, do Porto, onde lecionava, e através de uma exposição coletiva na Galeria Alvarez, também no Porto, em 1956. A partir de 1958 Rosa Ramalho, analfabeta, começa a usar o monograma RR para identificar as suas peças, no início marcado com um carimbo e depois, quando domina o traço, riscado no barro. A personalidade muito viva, comunicativa e direta da artesã cativou os seus apreciadores das mais diversas áreas, políticos, intelectuais e artistas, promovendo a sua notoriedade. E a sua casa estava aberta a todos os que queriam testemunhar a sua criatividade. Tornou-se um símbolo acarinhado pelo Antigo Regime que valorizava as manifestações de Arte Popular como formas de propaganda e de construção de uma identidade nacional, que se pretendia idealizada e pitoresca. Foi premiada, agraciada e o interesse pela sua obra mantém-se muito além da sua morte, aos 89 anos, a 24 de setembro de 1977.
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