No século 19, viagem e escrita tornam-se dois processos indissociáveis em permanente dialética. Na grande proliferação de livros de viagem, os escritores procuraram registar as impressões colhidas nos locais visitados, numa tentativa de ultrapassar a efemeridade da existência humana, legando para a posteridade, as emoções e deceções despertadas pelos locais visitados, num registo claramente subjetivo. A literatura de viagem, tendo como forma mais popular os diários, não sendo completamente uniformizada ou disciplinada, permitiu dar às mulheres viajantes uma voz que lhes era negada publicamente.
O diário de Isabella de França é o relato da sua viagem à Madeira e a Portugal, nos anos de 1853 e 1854. Contém a descrição de toda essa estadia, dos passeios pelas redondezas do Funchal e outros pontos da costa sul da Ilha. Isabella não chega a conhecer a vertente Norte e, no Continente português apenas passa por Lisboa e Sintra, mas o seu relato, muito vivo e alegre, repleto de curiosidades, pormenores sobre a história, as lendas, os usos e costumes locais, constitui um manancial único de informação sobre a vivência da época.
O documento original é um volumoso manuscrito encadernado, constituído por 342 páginas de papel de linho azul, repletas de uma letra regular, levemente inclinada à direita, delineada a tinta castanha, sem rasuras ou acrescentos de qualquer espécie. Não tem título, nem sequer se encontra dividido em capítulos, apresentando apenas as páginas numeradas no canto superior. O texto é complementado com um conjunto de 24 aguarelas – sendo uma de maior formato, em duas páginas – pintadas sobre papel, por sua vez colado em cartão e, à exceção de uma, todas se encontram identificadas com título e a indicação da página do texto a que respeitam. Naturalmente o diário foi compilado, revisto e as pinturas concluídas, após o regresso de Isabella a Londres. A autora parece ter tido intenção de o publicar por incluir a referência “aos meus leitores”, pelo facto de o ter passado a limpo e ter feito paginação das aguarelas, relacionando-as com o texto.
O conjunto foi adquirido pelo Dr. Frederico de Freitas em Londres, entre os anos de 1937 e 1938. Os trabalhos para a publicação, iniciados em 1940, culminaram, em 1970, com a edição, portuguesa e inglesa, do Jornal de uma Visita à Madeira e a Portugal (1853-1854), com introdução de João Cabral do Nascimento (também responsável pela tradução) e João Miguel dos Santos Simões (autor das notas complementares ao texto). Em 1978 o Dr. Frederico de Freitas legou as suas coleções à Região Autónoma da Madeira, o que naturalmente englobou o precioso conjunto.
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