sábado, 22 de maio de 2021

CORES QUE FAZEM SENTIDO - verde

 

Figuras de Presépio

Barro policromado, cartão e madeira

Portugal, Madeira, século 19


Nem só de rezas vivia o convento. O Convento de Santa Clara, a mais antiga casa religiosa feminina da Madeira, sempre gozou de um estatuto à parte. Foi fundado por João Gonçalves da Câmara, 2º Capitão da donataria do Funchal, para acolher as suas filhas, bem como meninas e senhoras das mais abastadas e fidalgas famílias madeirenses. Uma das condições de entrada passava pelo pagamento de um avultado dote, numerário ou terras, o que facilitou o acumular de riqueza e permitiu ao Convento tornar-se em pouco tempo um dos maiores proprietários da ilha. Tal facto refletiu-se na vida conventual e as religiosas, que já tinham um estatuto superior aos das suas congéneres, acabaram por gozar de uma vida mais confortável, menos austera, algumas até com direito a serviçal para seu serviço. Mas não eram só as noviças que entravam, aos poucos o Convento tornou-se um centro de educação da elite feminina, naturalmente das que pretendiam professar os votos, mas também das destinadas a casar, cujas famílias as queriam mais preparadas e formadas. Era sinal de distinção ser educada no convento de Santa Clara, onde para além da adequada formação religiosa, aprendiam escrita, caligrafia, leitura, contas, música, bordados e doçaria. Também viúvas, órfãs e outras senhoras piedosas, mediante autorização especial, tinham acesso ao Convento para retiros por períodos mais ao menos prolongados. No século 18 e 19 esta tendência aumenta, assim como se tornam mais frequentes as visitas, nos locutórios, onde as freiras, atrás das grades, recebiam os visitantes, oferecendo bebidas, doces e produtos da sua lavra, como flores de cera e de penas, que também vendiam.

Apesar de sujeitas à obediência das orientações espirituais dos franciscanos e ao voto de clausura, os conventos de Clarissas tiveram um papel relevante na formação de comunidades vivas e atuantes onde haveria certamente momentos descontraídos de convívio e de expressão musical e artística. Será provavelmente um desses momentos que estas pequenas figuras retratam, não uma visita de estranhos no locutório, mas um convívio entre religiosos, onde o ato de receber incluía a oferta de comes e bebes, mas também algum entretenimento com a demonstração dos dotes artísticos destas religiosas especialistas em cânticos e recitais.

É dos meados do século 19 este conjunto de figuras de presépio realizado em barro, modelado e policromado, com assentos de madeira e cartão pintados num vistoso tom de verde. As Irmãs Clarissas vestem-se conforme a Regra, com o hábito preto, símbolo de sobriedade e de humildade, cingido à cintura por cordão, uma touca branca cobrindo a cabeça e o pescoço, emoldurando o rosto, e um véu negro, o que atesta não se tratarem de noviças. O frade de tonsura, usa túnica escura, cordão à cintura e segura um copo na mão esquerda. Partilha o canapé com a religiosa que apresenta a garrafa de bebida, enquanto as outras duas freiras sentadas, cada qual na sua cadeira, mantêm-se de livro nas mãos. Não se mostram aqui, mas completam este peculiar conjunto duas outras personagens tocando cordofones, sentadas em cadeiras amarelas. São elas um frade de hábito franciscano idêntico ao anterior e uma senhora de vistosas luvas verdes.

Nos presépios antigos e tradicionais, as cenas profanas da vida comum de todos os dias conviviam pacífica e alegremente, com os conjuntos de figuras religiosas que relatavam os episódios do nascimento e vida de Jesus, segundo um programa didático e evangelizador. Ao longo dos séculos 18 e 19 multiplicam-se os pastores nas suas diferentes lides e as personagens nos seus ofícios. Nos conventos, locais onde o culto do nascimento do Menino é particularmente ardente, os presépios multiplicam-se, naturalmente espelhando as respetivas vivências. Cabia a cada religiosa aprimorar o seu e esse papel era assumido como um sinal da sua particular devoção. Esta mistura entre o sagrado e o profano era importante e cumpria o objetivo consciente de permitir a todos a identificação e o reconhecimento da sua realidade quotidiana para melhor facilitar o entendimento e a assimilação da mensagem da Natividade. 

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