sexta-feira, 30 de abril de 2021

CORES QUE FAZEM SENTIDO - laranja

 

Serviço de café

Porcelana “bone china”, decoração estampada e dourado

Copeland, Inglaterra, 1875-1890


Serviço de café com decoração estampada, a cor-de-laranja sobre branco e orla dourada. O conjunto é composto por um tabuleiro, um açucareiro, oito chávenas, com os respetivos pires e colheres.

O tabuleiro, de borda lobulada recriando as pétalas de uma flor, podia ser usado para dispor e servir canapés ou pequenos doces que acompanhavam o café. O açucareiro, em forma de campânula invertida, possui uma tampa cuja pega, oval, é pintada a dourado. As chávenas são cilíndricas, com asa, e os pires, diminutos, contrastam com as colheres, brancas ornadas a dourado.

A decoração, de inspiração chinesa, representa uma paisagem com um salgueiro inclinado à beira rio, uma casa de chá e um pavilhão à esquerda, uma embarcação, uma ilha e dois pássaros voando. A porcelana que chega à Europa da China, em maior quantidade a partir do século 17, associava a beleza ao requinte e possuía uma resistência e durabilidade nunca vistas e que sempre se tentou imitar. A própria China, então pouco conhecida e exótica, exercia um enorme fascínio no Ocidente, originando no século 17 um tipo de decoração designado “Chinoiserie” que marcou as Artes Decorativas europeias e se popularizou até ao século 19. Este termo afrancesado identifica a produção europeia de temas chineses, adaptados ao gosto ocidental numa interpretação mais fantasiosa do que realista. Deste modo, nos meados do século 18, as primeiras porcelanas fabricadas na Inglaterra procuraram reproduzir os padrões da cerâmica azul e branca chinesa. Esta tendência acentua-se ainda mais a partir de 1750, quando a adoção da técnica da estampagem que veio revolucionar toda a indústria cerâmica, garantindo o aumento da produção a um custo mais acessível.

É precisamente este “mandarin pattern” associado ao gravador Thomas Minton, cerca de 1780, um dos primeiros padrões a ser utilizado por Josiah Spode, empresário e fabricante de loiça, de Staffordshire. Entre 1781 e 1784, foi ele o responsável pela introdução naquela localidade da técnica de impressão ou de estampagem, método industrial que vem simplificar e agilizar os processos de decoração cerâmica, amplamente usados na disseminação e reprodução deste e de outros padrões seus derivados. Simultaneamente foi ele ainda quem, cerca de 1796, aperfeiçoou e ultimou a pasta inglesa “bone-china” usada neste serviço e que é um tipo de porcelana branda, em cuja composição entram as cinzas de ossos.

A marca impressa neste conjunto, era utilizada entre os anos de 1875 e 1890, pela W. T. Copeland & Sons, empresa que resulta da fusão de duas outras, a de William Taylor Copeland (1765-1826) e a do célebre fabricante Josiah Spode I (1733-1797), de quem herda este preciso padrão. Neste último quartel do século 19 já era sentida a necessidade de inovar, de apresentar novos padrões decorativos, com outras inspirações e novas cores, assim ao azul, somaram-se primeiro o preto, o castanho, o verde, o multicolorido, o cinzento e só mais tarde o rosa e o laranja. 

quinta-feira, 29 de abril de 2021

CORES QUE FAZEM SENTIDO - laranja

 

Menino brincando com arco

Marfim, madeira, laca e madrepérola

Japão, 1862-1912


O requinte desta pequena escultura da criança que corre atrás do arco, reside no trabalho muito cuidado de cada uma das suas partes, sejam elas de marfim, como a cabeça, as mãos, os pés e o brinquedo, ou de madeira, como as vestes e a base. Os traços faciais, lábios, olhos e cabelos, estão delicadamente pintados. Nenhum detalhe é descurado, a cabeça rapada, com dois tufos de cabelo laterais e duas mechas apanhadas em dois carrapitos ao alto, um dos quais atado com um minúsculo laço cor de laranja. O quimono, cingido na cintura pela faixa “obi” que aperta com um grande laço nas costas, está decorado com manchas lacadas de cor alaranjada que podem representar nevoeiro ou nuvens e delicados motivos, flores, folhas e outros estilizados, pintados com lacas de cor alaranjada e dourada ou incrustados a madrepérola; nos pés usa chinelas de sola entrançada.

No traje é ainda visível o “kamon” ou timbre da família - a flor em losango de quatro pétalas, inscrita num círculo, associada ao clã “Hanabishi” - esculpido em cinco minúsculos discos de madrepérola, distribuídos pelo casaco “haori”, nomeadamente na parte posterior e anterior dos ombros e nas costas, abaixo da gola. Nas mãos segura uma pequena vareta e uma cana de bambu bifurcada, com a qual guia o arco. A figura assenta sobre uma base irregular de madeira.

“Okimono” é o termo japonês que identifica estes objetos decorativos que podiam representar figuras humanas, animais, ou vegetais, realizados em metal fundido (normalmente bronze), esculpidos em marfim, madeira ou, como neste caso, associando os dois materiais. Originalmente destinavam-se a ser expostos no “tokonoma”, nicho onde se exibiam as peças especiais da casa, como rolos de pintura, ou de caligrafia, um arranjo floral “ikebana”, ou outros objetos de luxo, fossem eles de cerâmica, metal ou de outro material.   

Estas esculturas tiveram especial difusão no período Meidji (1868-1912), altura de grandes reformas e mudanças com vista à abertura e modernização do Japão. Esta ocidentalização dos costumes, tornou desnecessária toda uma mão de obra altamente especializada, nomeadamente os escultores de imagens religiosas após o fecho de inúmeros mosteiros; de “netsuke” acessório de vestuário esculpido em marfim ou madeira, tornado desnecessário com o abandono do traje tradicional, ou mesmo os ferreiros/ fundidores, fabricantes de espadas, após a proibição do seu uso. Estes artistas detentores de um saber acumulado ao longo de gerações, tornam-se exímios escultores de “okimono”. Estas peças caracterizavam-se pela sua excecional qualidade, pelo dinamismo, expressividade, perfeição técnica e atenção aos detalhes. A defesa da qualidade e a manutenção das técnicas ancestrais foi sempre uma preocupação das autoridades e artistas locais, o que resultou na promoção do ensino artístico e na criação de escolas nos principais centros de produção.  A partir da década de 70 do século 19, a participação em inúmeras feiras internacionais, na Europa e nos Estados Unidos, a par do renovado fascínio pelo exotismo do Oriente, mais precisamente pelo Japão, resultam numa enorme procura por este género de artigos cuja produção se vira e centra no mercado de exportação.


quarta-feira, 28 de abril de 2021

CORES QUE FAZEM SENTIDO - laranja

 

A Franciscan Friar collecting Donations for his Convent 

Autores desconhecidos

Londres, R. Ackermann (editor) 1821

Água-tinta


Gravura que retrata um episódio do quotidiano regional, em jeito de caricatura ingénua, mais divertida que mordaz. A recolha de donativos por parte de religiosos era uma prática comum em toda a ilha e serve de tema a este apontamento de crítica social. A cena desenrola-se no exterior onde se encontra montada uma bancada de rua bem fornecida de pão, fruta e possivelmente vinho. A vendedeira, sentada, estende um pão ao frade franciscano que, de saco ao ombro, lhe oferece a mão a beijar, gesto antigo que normalmente acompanha a bênção dada em agradecimento da dádiva. O contraste entre as figuras acentua o olhar crítico sobre este tipo de práticas e costumes locais. A resignação da camponesa, frágil e vulnerável, em óbvia oposição à obesidade do franciscano e à satisfação que irradia do seu rosto rosado, ilustram bem o sucesso dos frades na sua atividade de angariação. Aliás o texto que acompanha esta imagem esclarece que a ordem mendicante franciscana, era sustentada pela caridade das populações e que um dos seus alvos preferenciais, no Funchal e no campo, eram os vendedores ambulantes porque raros eram os que se recusavam a contribuir. 

Água-tinta é a de técnica de gravação desta estampa, impressa a preto e colorida à mão, a aguarela. As cores seriam aplicadas de origem, antes da venda e distribuição dos exemplares desta única edição, como fica explícito no próprio título do livro que refere “coloured engravings” (gravuras coloridas). Tal facto explica a uniformidade das cores em todos os livros que chegaram até nós, as quais seriam muito semelhantes às dos desenhos originais. Confirma também algumas subtis diferenças entre gravuras idênticas, o que é compreensível na coloração manual. O recurso a uma paleta limitada é natural neste tipo de trabalho demasiado repetitivo, pelo que das cores selecionadas - preto, verde, azul, amarelo e rosa - é o laranja que ressalta. É a cor que aviva os detalhes aplicada na capa e no debrum da carapuça da personagem feminina, na fruta e no jarro colocado no parapeito da janela. 

Esta é uma das 27 ilustrações do livro “A History of Madeira with a series of twenty-seven coloured engravings, illustrative of the costumes, manners, and occupations of the inhabitants of that Island”. Editado em Londres, por R. Ackermann e publicado em agosto de 1821, o texto da autoria de William Combe (Bristol 1741- Londres 1823) foi escrito na etapa final da sua vida.

Apesar de nunca se ter deslocado à Madeira, William Combe tem larga experiência em escrever sobre as mais diversas paragens que conhece apenas através de leituras atentas e de informações que compila. No âmbito da literatura de viagens ele é um escritor contratado, especialista em rever, melhorar e preparar para publicação escritos de viajantes. Deste modo o seu relato baseia-se noutros anteriores e o seu contributo recai essencialmente nos textos, em verso e em prosa, que acompanham cada uma das estampas.  

Desconhece-se quem foi o autor dos desenhos que deram origem a esta estampa, sabe-se apenas que se trata de um estrangeiro residente alguns anos na Madeira e em Portugal, ao qual é possível associar, no nosso país, 3 conjuntos de aguarelas e guaches, de tipos populares, militares e religiosos, regionais e nacionais. O facto de surgirem conjuntos associados em álbuns, poderia revelar um artista especializado no registo de costumes, de figuras tradicionais e tipos populares, o que não seria estranho atendendo a que é precisamente na primeira metade do século 19 que se multiplicam, graças à sua grande aceitação, as edições ilustradas de usos e costumes.   

Rudolph Ackermann, editor com tipografia estabelecida em Londres desde 1795, foi responsável pela publicação de inúmeras obras ilustradas, muitas das quais topográficas e de viagens. Os seus livros com estampas a cores eram de reputada qualidade numa época em que não havia fotografia e que as imagens, sobretudo quando coloridas, constituíam um luxo e um enorme atrativo nas publicações.  


terça-feira, 27 de abril de 2021

CORES QUE FAZEM SENTIDO - laranja

 

Azulejo de figura avulsa

Faiança

Holanda, ca. 1610-1630


Azulejo de figura avulsa policromo pintado nas cores azul, verde e laranja sobre branco. Apresenta ao centro uma estilização de um vaso florido (albarrada) e os cantos são decorados com motivo de “folha de carvalho”.

Figura avulsa define um tipo de azulejo pintado com um desenho único, que se lê e compreende por si só. O único elemento de ligação com os azulejos anexos, quando existe, é o motivo do canto. Ao contrário dos azulejos de padrão que se organizam em composições com um mínimo de 4 azulejos e se adequam a revestimentos mais extensos, os azulejos de figura avulsa podem ser aplicados em áreas diminutas, como um rodapé ou um friso de lareira.

Essa característica explica a sua popularidade na Holanda, onde na primeira fase da produção, cerca de 1570, se privilegiava a azulejaria de padrão, polícroma, muito próxima dos modelos flamengos e italianos, usados em pavimentos. Esse período e até cerca de 1630, é próspero e assiste-se ao enriquecimento das alta e média burguesias, à migração para as cidades e à construção de novas casas, onde se generaliza o uso azulejo. Num país repleto de canais, onde os problemas de humidade eram comuns, o azulejo foi considerado o revestimento ideal pelas suas qualidades de impermeabilidade e fácil limpeza. A proliferação dos azulejos de figura avulsa está ligada ao seu uso nas habitações da classe média onde eram aplicados na “casa de dentro”, divisão, mais ampla que reunia a sala de estar e a cozinha. Usavam-se para cobrir pequenas áreas, como os lambris das paredes, as lareiras, os rodapés e as escadas, locais onde a tipologia de figura avulsa melhor se adapta.

Até 1630 predomina a policromia, nomeadamente o azul, o amarelo, o laranja, o verde e o manganês, sobre fundo branco. Este limitado reportório de cores era obtido a partir de óxidos metálicos derivados de minerais. Nomeadamente os tons de laranja e acastanhados provinham de minerais ricos em óxido de ferro, como o ocre e a terra úmbria. A partir de 1625 os gostos alteram-se e as preferências recaem sobre os azulejos monocromos, especialmente de cor azul. A policromia mantém-se apenas nas zonas rurais, mais atrasadas do interior, com tendência ao desaparecimento após 1650 e só renascerá anos mais tarde, com diferentes características.

As flores foram sempre um tema popular na pintura de azulejos nos Países Baixos. Primeiro surgem dispostas em vasos, evocando os modelos renascentistas, e depois, a partir de 1600 multiplicam-se em representações de diferentes espécies, das mais diversas origens. Esta manifestação genuinamente holandesa, difunde-se a par dos tratados de botânica, repletos de imagens de plantas e flores, que se publicam no século 17 e fomentam o estudo e o cultivo das plantas da Europa e Além-Mar. Nesse âmbito impossível não focar a importância da túlipa, flor símbolo do País e que se distingue, dominando todas as outras nas diferentes formas de expressão artística. 

segunda-feira, 26 de abril de 2021

CORES QUE FAZEM SENTIDO - laranja

 

LARANJA esta cor é formada pelo vermelho e o amarelo, transmite energia e entusiasmo; é quente, alegre e divertida. Quando associada ao sabor e ao aroma, leva-nos numa viagem pelo mundo das flores, frutas e dos legumes…gaitinhas e capuchinhas; laranjas, tangerinas e dióspiros; abóboras e cenouras.

Quente, mas não tão sufocante quanto o vermelho; luminosa, mas não tão intensa como o amarelo; o laranja aquece e ilumina na medida perfeita.

Lembra o verão (calor, diversão e atitude positiva), mas é sem dúvida a cor do outono, nos tons alaranjados das folhas. É a cor nacional dos Países Baixos e da Casa de Orange. Símbolo de inteligência para o Budismo; da pureza, leveza e sabedoria para o Hinduísmo; representa a coragem e o amor no Japão.

Porque a sua tonalidade abrange a cor vermelha e amarela, estabelecendo um ponto de equilíbrio entre ambas, reflete a harmonia entre a paixão do vermelho e a divindade do amarelo. 

O laranja é uma cor que aconchega, renova, entusiasma e liberta. Nela vemos prosperidade, vitalidade e sucesso. 


domingo, 25 de abril de 2021

CORES QUE FAZEM SENTIDO - vermelho

 

Bailinho da Madeira

António Aragão 

Desenho à pena, aguarelado sobre cartão 

Madeira, 1965


O Bailinho da Madeira faz parte da memória de todos os madeirenses, mas também do património musical e imaterial da R.A.M, pelo que este desenho ilustra a nossa identidade, cultura e tradição. António Aragão,  polifacetado intelectual madeirense que se distinguiu como historiador, poeta, escultor e pintor, é o autor desta composição expressiva e dinâmica conseguida a partir de um traço estilizado, rápido e assertivo. Nela predominam os tons quentes do traje das viloas, onde o vermelho se destaca nas saias riscadas, nos corpetes e nas capas, com cabeção de bicos debruados. Surge também nos detalhes laterais das carapuças e nos debruns das botas-chã das figuras representadas. 

Nas variantes do traje regional feminino, sobressai o da Camacha e/ou da Ponta de Sol, composto por uma saia listrada, com fundo vermelho, de tecido de linho e lã confecionados na Ilha; um colete, por norma bordado, e uma capa de baeta de lã, ambos vermelhos, usados sobre a blusa branca de linho. A carapuça, por norma azul, era realizada com baeta forrada a vermelha. Tanto as mulheres como os homens calçavam bota-chã, feita pele de cabra, de cano curto dobrado e debruado com marroquim vermelho. 

A cor vermelha dos tecidos era obtida a partir da “ruivinha”, garança ou ruiva-dos-tintureiros, planta que existia em abundância na Ilha. O seu nome vem do latim ruber, que significa vermelho, devido à cor da raiz. Esta, quando fermentada, produz um forte pigmento vermelho que serve para tingir tecidos. O tingimento com a ruiva permitia obter tecidos de um vermelho intenso, também conhecido por “vermelho da Turquia”.

sábado, 24 de abril de 2021

CORES QUE FAZEM SENTIDO - vermelho


Candeeiro
Metal patinado, vidro e mármore
França (?), 1920-1930

Candeeiro de mesa Art Deco, de linhas geométricas em cuja base, de mármore, assentam as luminárias de vidro opaco, um globo de cor vermelha intensa e um cilindro azul profundo. Na frente, uma graciosa figura feminina nua, de cabelo apanhado, surge sentada de pernas estendidas e de lado, apoiada num dos braços, olhando o leque que segura na mão. À direita em metal patinado, tal como a figura, um elemento decorativo de formas pontiagudas, lembra uma labareda estilizada. 

O estilo Art déco desenvolve-se no intervalo entre as duas Guerras Mundiais, sensivelmente entre 1925 e 1939, período caracterizado por grandes mudanças sociais, culturais e tecnológicas, marcado por uma estética urbana e industrial. A emancipação feminina, a integração da mulher no mercado de trabalho, o culto do corpo saudável, determinam uma nova musa, que se apresenta mais atlética e de cabelos mais curtos. 

Após um período de vanguarda virado para os artigos de luxo e para as matérias raras, que impulsiona a especialização, a par da evolução do conceito do designer que idealiza a peça e recorre aos diferentes artesãos para a concretizar, assiste-se a uma mudança. A queda da bolsa de Wall Street, em 1929, e a grande depressão determinam outra atitude, difundindo novos produtos esteticamente modernos, mas baratos, de fabrico industrial, seriado que ia ao encontro de uma enorme clientela em dificuldade. O aço, o cromado, a baquelite e outros plásticos são os novos materiais mais acessíveis e adequados à produção em massa. A modernidade e a elegância das formas, o impacto da cor são fatores determinantes na disseminação destes novos modelos, como o caso deste candeeiro de linhas inovadoras, onde o vermelho arrojada e desafiante, é o tom que domina e cativa o olhar.

sexta-feira, 23 de abril de 2021

CORES QUE FAZEM SENTIDO - vermelho


 Jarro Caça

Barro vidrado a vermelho

W. Schiller & Sohn, Boémia, ca. 1860-1890

Hunting jug é um jarro cuja decoração é baseada no tema da caça. A caça é um tema antigo na pintura, na escultura e nas artes decorativas, mas ao testemunhar uma atividade desportiva e de lazer restrita à aristocracia torna-se particularmente popular no século 18, tal como no século seguinte quando se abre à classe média Na cerâmica as cenas de caça surgem em peças utilitárias, mas também em peças decorativas oferecidas ou apresentadas como troféu após uma caçada.
Existem diferentes jarros desta tipologia, entre os quais este, da coleção da Casa-Museu Frederico de Freitas, em cerâmica relevada, em que o corpo exibe as presas da caça penduradas - lebres, coelhos, gansos, outras aves e raposa - e a asa é em forma de cão - o galgo. A mais antiga referência encontrada para este modelo de jarro, remonta aos inícios do século 19, à fábrica de Isleworth, de Joseph Shore, na Inglaterra. O modelo foi muito difundido durante os séculos 19 e 20, por diferentes países, diferindo as pastas, as cores e alguns elementos decorativos. Em Portugal, a Vista Alegre ainda produz exemplares brancos, em biscuit, e nas Caldas da Rainha foi fonte de inspiração para algumas produções em vistosa faiança colorida. Este jarro, coberto de vidrado fosco, de um intenso tom de vermelho, foi realizado na fábrica W. Schiller & Sohn, localizada em Obergrund, Boémia, atual República Checa, a laborar entre 1850 e 1914. É de realçar que os exemplares monocromos são geralmente mais sóbrios, com uma decoração mais detalhada, sendo especialmente vistosos os de cor vermelha, pela sua forte tonalidade ligada à cor do sangue e por isso mais adequada ao tema da caça que ilustra, ou simplesmente por esta ser a cor do prazer associada aos sentidos.

CORES QUE FAZEM SENTIDO - vermelho


 Xaile

Fio de lã e algodão

Grã-Bretanha, Paisley, 1850-70

Grande xaile retangular cuja decoração segue um esquema simétrico, em que o campo principal se desenvolve à volta de um centro negro, numa profusão de ramagens, palmetas, enrolamentos vegetais e flores. Enquadram esse campo duas barras, uma mais larga com o fundo de motivos vegetais e florais estilizados por onde correm linhas sinuosas, brancas com florinhas, desenhando formas trilobadas e outra, formando uma orla estreita, de motivos miúdos inscritos em cercaduras curvas. As extremidades terminam com uma faixa de motivos florais enquadrados por arcos polilobados de diferentes feitios e cores, que se alternam, e são rematadas por franja.
Prevalece o vermelho nesta complexa composição decorativa, conseguida a partir de mais cinco cores, o laranja, o verde claro, o verde escuro, o branco e o preto. O vermelho usado na tinturaria dos fios era conseguido a partir de dois tipos de corantes, a cochonilha usada preferencialmente no tingimento da lã e a garança empregue para colorir o algodão.
A origem deste tipo de xaile liga-se aos magníficos e requintados xailes de Caxemira, importados da Índia para a Europa desde 1770. A partir de 1800 torna-se o acessório de luxo e da moda, apreciado por destacadas figuras femininas, como a imperatriz Josefina, mulher de Napoleão I, que se fizeram retratar por afamados pintores, envoltas nos seus exóticos e coloridos xailes indianos. Após 1820 o seu comércio aumenta consideravelmente, como também se intensifica o esforço para a sua reprodução na Europa. Primeiro em França e depois na Grã-Bretanha, em Norwich e principalmente na cidade escocesa de Paisley a produção especializada destes têxteis atinge um grande sucesso e se não consegue alcançar a qualidade indiana, pela dificuldade de igualar a lã de Caxemira, bate grandemente o seu preço, muito mais acessível sobretudo após a adoção do tear de Jacquard, cujo sistema mecânico permite reproduzir facilmente os intricados padrões orientais e tecer peças de maiores dimensões.
A adoção dos vestidos rodados sobre as amplas armações de crinolina, tão em voga nos meados do século 19, veio intensificar o uso destes xailes que se tornam cada vez maiores, chegando a ultrapassar os 3,30 metros de comprimento por 1,50 de largura. Na Grã-Bretanha, com o intuito de proteger e incentivar a produção nacional, a Rainha Vitória encomenda uma série de xailes de Paisley, o que desencadeou um aumento da procura. O apuro técnico e a intensificação da produção alcançados em Paisley, levaram ao aperfeiçoamento das tinturarias locais e, não obstante se continuarem a importar fios tingidos, cada vez mais se tingia localmente. Os escoceses dominaram particularmente a cor vermelha, cujo tom mais vivo, conhecido por vermelho da Turquia, obtido a partir da garança, se tornou especialmente popular na coloração dos tecidos de algodão, posteriormente estampados. E será precisamente a disseminação da estampagem na decoração dos xailes, a vulgarização do padrão decorativo, o seu baixo custo e a sua disseminação pelas classes mais desfavorecidas, bem como as alterações do traje feminino ocorridas a partir de 1880, que ditaram o fim de um século da moda dos xailes de Caxemira e de Paisley.

terça-feira, 20 de abril de 2021

CORES QUE FAZEM SENTIDO - vermelho

 

Calvário
Óleo sobre cobre
Flandres, séc. 16

Representação do Calvário com Jesus crucificado, sob a inscrição INRI (Jesus o nazareno Rei dos Judeus), ao centro e ladeado pelos ladrões, o bom e o mau, suspensos pelos antebraços nas respetivas cruzes. Num registo inferior, à esquerda, São João Evangelista e uma das Santa Mulheres amparam Nossa Senhora que, de mãos cruzadas sobre o peito, ergue o olhar para o seu Filho. Ajoelhada à direita, apoiando-se na cruz, Maria Madalena levanta o manto como que a tapar o rosto. A seus pés encontram-se o vaso dos santos óleos, um dos seus atributos, algumas ossadas e uma caveira. O crânio junto à cruz é uma referência a Adão, ao pecado original e à redenção através de Cristo, mas também remete para Gólgota, o lugar da caveira, designação hebraica da colina onde se realizavam as execuções capitais.

Um par de soldados mantem-se perto, enquanto dois cavaleiros conduzem o exército em direção à cidade fortificada de Jerusalém, que se vislumbra longe.  Todo o fundo é escuro e nublado, tal como as trevas que assinalaram o momento da morte de Cristo, num profundo contraste com a extrema palidez do corpo de Jesus, dos rostos dos seus entes mais próximos, e com os brancos da pelagem do cavalo, dos véus e coifa das mulheres. O vermelho é a cor que ressalta, distribuída estrategicamente para definir zonas, hierarquizar os planos, destacar figuras e acentuar o dramatismo da cena. O foco mais forte concentra-se no manto que envolve São João Evangelista, captando de imediato o olhar para o apóstolo, realçando o seu sofrimento e a dor das personagens que o acompanham junto à Cruz.  Vermelho é sangue e sacrifício, mas também é a cor do amor e o amor incondicional por Cristo caracteriza o apóstolo mais querido, o único que acompanhou o seu martírio e morte, a quem confiou o cuidado de Maria, sua mãe, e talvez por isso seja essa cor geralmente usada no seu manto ou vestes.

Esta pintura a óleo sobre cobre, testemunha a adoção da chapa metálica como novo suporte da pintura, tendência que se inicia no princípio do século 16, generaliza-se durante a segunda metade do mesmo e atinge os seu apogeu nos meados do século 17. A sua origem ocorre em Itália, disseminando-se pelos países do  Norte da Europa, nomeadamente Antuérpia que se torna um importante centro de exportação, especialmente para Espanha. A sua difusão associa-se ao aparecimento de uma clientela de classe média mais abastada, que tende a adquirir obras de menores dimensões, transportáveis, para enriquecer as suas residências. Está intimamente ligada ao culto e religiosidade, privadas, quando a devoção transpõe as igrejas e capelas, para se manifestar em oratórios particulares nas casas, ou pequenos altares portáteis destinados acompanhar os donos nas suas deslocações.

segunda-feira, 19 de abril de 2021

... CORES QUE FAZEM SENTIDO

 

VERMELHO, a palavra tem a sua origem no latim vermiculus, diminutivo de verme, remetendo para o inseto donde se extraía essa cor. É uma cor forte, a primeira a colorir pinturas parietais e a servir de adorno corporal. Associada ao fogo, ao sangue e ao poder é a mais importante da Antiguidade. Depois, simboliza o sangue de Cristo, mas também o fogo da inspiração e da presença divina, é a cor de Espírito Santo usada pelos Papas e Cardeais. O vermelho identifica pelo menos quatro dos sete pecados capitais: soberba, ira, luxúria e gula; está associado ao erotismo, à feminilidade e à beleza. Também é a cor da revolução, de uma ideologia e de uma identidade e por isso está presente na bandeira de muitos países. Identificada com a Justiça, é a cor adoptada para as fitas dos estudantes de Direito, realçando o princípio orientador da sua profissão.

O vermelho está muitas vezes associado à raiva e ao perigo, contudo poderá também estar ligado ao poder, à paixão, ao amor e à vida. É uma cor ativa e emocional, até certo ponto provocadora.

É sem dúvida a cor da alegria, nos olhos de uma criança quando vê bombons vermelhos, ou da festa, na época natalícia.

O certo é que o vermelho distingue, adverte, condena, valoriza, enfatiza, alegra e aviva. É uma cor cheia de solenidade e de distinção, de significado e simbolismo.

Cada qual tem a sua percepção do vermelho, segundo as emoções que se lhe associam. E o vermelho na Casa-Museu Frederico de Freitas? É a cor da Casa e está representada em inúmeras peças das nossas coleções. Na verdade através dos nossos vermelhos, partimos à descoberta, despertamos curiosidades e estimulamos explorações. 

sexta-feira, 16 de abril de 2021

A COR: sem luz não existe cor!

 

Não é possível falar da cor sem mencionar a visão. Através da visão percecionamos o meio exterior e, simultaneamente, registamos sensações e perceções visuais que nos levam a estabelecer relações, a atribuir significados e a reconhecer emoções.

A primeira causa da perceção visual é a luz, e é através desta que identificamos a cor. Podemos assim afirmar que a cor é luz, quando o olho humano capta a energia luminosa de um objeto. No entanto a cor é também substância, uma vez que pode ser representada por um dado material; é perceção, pois é um processo que acontece nos nossos olhos; e é sensação, porque é o que o nosso cérebro distingue a partir da perceção.

De facto sem luz não existe cor! A luz visível ao olho humano é composta pela cor azul-violeta, verde e vermelha. Estas cores quando sobrepostas originam outras cores: azul-violeta sobre vermelho resulta em magenta; vermelho sobre verde transforma-se em amarelo; e azul-violeta sobre o verde transforma-se em ciano. Da sobreposição destas cores resulta o branco. 

Contudo, para além das cores do prisma, existe outra natureza cromática que é a da cor da paleta. As cores da paleta são cores pigmentárias obtidas pela subtração a partir do azul-ciano, amarelo e magenta, ou seja, são os matizes primários que o artista mistura para conseguir as restantes cores.


quinta-feira, 15 de abril de 2021

CORES QUE FAZEM SENTIDO

 

Para celebrar o Dia Mundial das Artes a Casa-Museu Frederico de Freitas lança hoje um novo projeto online intitulado “Cores que fazem sentido”. A cor é um fator determinante na Arte, tem uma simbologia muito própria, exprime estados de espírito e transmite mensagens. Pode ser um motivo de atração ou de repulsa, raramente é utilizada ao acaso e as preferências por esta ou aquela cor variam consoante as épocas e as culturas. O estudo e o conhecimento da cor são os fundamentos de qualquer formação artística, por isso escolhemos este tema para assinalar este dia. 

Propomo-nos partir à descoberta e explorar as diferentes cores nas nossas coleções de Artes Decorativas.  Inspiramo-nos na simbologia do arco-íris no contexto da atual pandemia COVID 19, para nos associarmos à mensagem “Vamos ficar todos bem”. Desta forma definimos uma paleta de sete cores, para em sete semanas, divulgarmos cerca de 42 peças especialmente selecionadas pela sua cor, para explicar o que são, para que servem, qual a sua origem e porque são daquela cor.  

Assumimos que as cores são muito subjetivas e que as nossas são únicas, por isso valorizamos os nossos vermelhos, rebuscamos os nossos laranjas, avivamos os amarelos, mergulhamos em dois tons de azul, refrescamo-nos nos verdes, para terminar no roxo e concluir que as imagens são ilusões, são uma forma de atrair, mostrar e divulgar, mas sentir, ver e apreciar, avaliar as escalas, conhecer os materiais, perceber as tonalidades, só mesmo ao vivo. Mas nada como conhecer os nossos objetos e as suas cores diretamente. Assim e porque de facto ficaremos todos bem, terminado o périplo online pelas nossas cores, convidamos a descobri-las através da nova visita temática “Cores que fazem sentido”, disponível mediante marcação prévia para grupos até 5 pessoas, a partir de 15 de junho.

segunda-feira, 12 de abril de 2021

Recordando a descoberta dos "Monstros Marinhos".

 


"O animal fabuloso (...) associa-se aos tritões, sereias, peixes e outras criaturas do mar. Estes azulejos constituem um assunto de que os holandeses do século XVII, nunca se cansaram (...).

quinta-feira, 8 de abril de 2021

Hoje retomamos o trabalho com "As Amiguinhas da Casa". São umas tardes muito bem passadas.

 


Para contornar a situação de falta de público experimentou-se uma nova oferta direcionada para um grupo específico de crianças fora do contexto escolar. Foi criado um ateliê semanal “Os amiguinhos da Casa”, onde um dia por semana (quintas-feiras, das 14h00 às 17h00) um grupo fixo de cerca de 5 crianças se deslocava à Casa-Museu para desenvolver atividades de longa duração. Ou seja, a cada semana era proporcionada uma visita temática diferente, à qual foram associadas aprendizagens, desafios e explorações específicos. Esta estratégia permitiu que os números de agosto a novembro não fossem tão catastróficos, como também proporcionou um valor acrescentado no desenvolvimento de um trabalho personalizado com crianças particularmente empenhadas, o que permitiu estreitar laços e otimizar experiências, não num sentido quantitativo, mas qualitativo.

sábado, 3 de abril de 2021

Nossa Senhora da Piedade


Nossa Senhora da Piedade,

Autor desconhecido,

Barro modelado, com vestígios de policromia, 1532,

Portugal.


Representação de Nossa Senhora da Piedade esculpida em vulto pleno. Maria encontra-se sentada sobre uma rocha com seu Filho, morto, ao colo. O corpo de Cristo apresenta-se quase de frente e atravessado, na diagonal, sobre o regaço da Virgem que o segura pelo ombro, com a sua mão esquerda. Cristo, envolto no sendal, tem a cabeça e o braço tombados e a mão direita pousada sobre a da sua Mãe. Surge de cabelos compridos e barba, com as marcas da crucificação visíveis nos membros e no peito. Nossa Senhora veste túnica comprida que se confunde com o panejamento onde Cristo está deitado. A sua cabeça está coberta por um véu curto e por um amplo manto que lhe desce em pregas até aos pés. A imagem exibe restos do estofamento e vestígios de policromia, azul, verde, púrpura e dourado no manto da Virgem e verde-escuro no chão e na rocha. No topo da cabeça de Nossa Senhora existe um orifício para receber o resplendor


Descida da Cruz


Descida da Cruz

Autor desconhecido,

Alabastro, século 16

Malines, Flandres


Placa retangular, esculpida em baixo-relevo, com a representação da cena bíblica do Novo Testamento, a Descida da Cruz. Num registo superior, ao centro da composição, José de Arimateia e Nicodemos descem Cristo da cruz. Nicodemos, o mais velho, de barbas e turbante encontra-se, à direita, segurando o corpo de Jesus e, do lado oposto, José de Arimateia ampara-O pelos ombros. Ambos estão sobre escadas apoiadas em cada um dos braços da cruz. Em primeiro plano, à direita, Nossa Senhora, de mãos postas sobre o peito, está acompanhada por São João Evangelista e, do outro lado, Maria Madalena ajoelhada enlaça as pernas de Cristo. A cena tem como fundo algum casario. No bordo inferior chanfrado, à esquerda, inscreve-se o monograma HVL, pintado a vermelho. O alabastro apresenta-se parcialmente dourado, com apontamentos de policromia vermelha nos lábios das figuras e em alguns detalhes cénicos. Está enquadrado por moldura de madeira dourada com faixa de decoração estilizada, de florões e motivos vegetalistas que se desenvolvem por entre cadeias de elos circulares e cruciformes. A decoração da faixa moldada do lado direito é diferente das restantes.


Judas

Judas

Representação de um ritual profano relacionado com as festividades pascais. Montados em burros dois bonecos ou espantalhos, com máscaras, de javali e de homem, rematadas por rabicho, são perseguidos por um grupo de populares. São homens, rapazes e crianças, empunhando paus e cordas, que se agitam, tropeçando uns, gesticulando outros, entre cães que os seguem ladrando. Sobre um fundo de árvores e atrás de um murete baixo uma assistência esbatida, de senhoras de sombrinha e homens de chapéu e cartola, contempla o cortejo que passa.

Esta aguarela é uma das 24 que ilustram o diário da viagem de Isabella de França, à Madeira e a Portugal, nos anos de 1853 e 1854.

sexta-feira, 2 de abril de 2021