terça-feira, 13 de maio de 2025

Continuação do DIA NACIONAL DO AZULEJO

PAINEL DE AZULEJOS FIGURATIVOS

António Quadros (Tondela, 1933-Tondela, 1994)

SECLA, Caldas da Rainha, ca. 1958

Casa do Bolo Caco 

Rua Fernão de Ornelas, n.º 29, Funchal

Quem sabe o que se passa com este casal? Desconhecemos quem são e o que representam. Mas podemos supor. Pela sua nudez, ar desconfiado e um quê comprometido dir-se-ia tratar-se de um Adão agachado, olhando de soslaio para a Eva que dominante exibe o fruto proibido, parcialmente devorado. A tentação venceu e nada augura de bom. A envolvente é escura, as plantas e a água que jorra à direita são ameaçadoras, de tons frios e formas flamejantes. E até as flores, que brotam esporádicas, são vermelhas e amarelas como as chamas. É impossível ficar indiferente a este conjunto de azulejos que, apesar das suas linhas estilizadas, está latente de emoções. 

Ao fundo do estabelecimento, este painel forra um nicho cujos azulejos fogem do formato quadrado, normalizado, e são retângulos dispostos na horizontal na composição figurativa e assentes na vertical os acinzentados das paredes laterais, onde se dispõem alternados os de padrão liso e os geométricos com volumetria. Na base, ao modo de floreira, rematam a frente blocos vidrados nos mesmos matizes de cinza e que repetem, na face frontal, o esquema de padronagem já descrito.

Este original e invulgar revestimento foi encomendado para a loja de decorações de interiores “Decorama” (a funcionar desde 1958), pelo seu proprietário o empresário madeirense Comendador João Silvério Cayres. Porta ao lado, no número 31, este célebre antiquário abrira, em 1950, o seu primeiro estabelecimento de antiguidades “Arte Antiga”. Apostando numa vertente artística alternativa, a “Decorama” oferecia uma variada gama de objetos de arte moderna (pinturas, esculturas, mobiliário, vidros e cerâmicas), daí a escolha de um painel impactante e modernista condizente com o novo espaço comercial. Segundo indicação da Dra. Luíza Clode, antiga diretora do Museu de Arte Sacra do Funchal e dedicada investigadora na área da azulejaria madeirense, estes azulejos são da autoria de António Quadros, pelo que na falta de assinatura esta atribuição é a possível e provavelmente a correta. António Augusto de Melo Lucena e Quadros (Tondela, 1933-1994) era à época um artista emergente, estudante de Belas Artes e bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian, mas que o escrutínio treinado do negociante de arte madeirense soube desde logo detetar. Este artista, que se revelou em áreas tão diversas como pintura, urbanismo, arquitetura, cenografia e escrita, foi também ceramista e entrou para a SECLA, em 1959. A Fábrica SECLA (Sociedade de Exportação e Cerâmica Limitada), nas Caldas da Rainha, tornou-se a partir dos anos 50 um dos polos mais ativos de produção e experimentação de artistas contemporâneos, pelo que é mais que provável que a encomenda deste painel tenha aí a sua origem. Para uma loja que se propunha vender cerâmica nacional, contemporânea e de autor, os contactos com esta fábrica seriam então inevitáveis.


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