terça-feira, 13 de maio de 2025

Finalizando, O DIA NACIONAL DO AZULEJO


AZULEJOS DE FACHADA

Fábrica de Loiça de Sacavém, 1910-1930

Largo dos Varadouros, n.º 5, Funchal

Que lindo verde! Tão fresco como o de um campo verdejante. Verde é esperança, vigor, natureza e juventude, quem não quer tudo isso? Ao dobrar a esquina da Praça para a Travessa dos Varadouros, espreite e não passe indiferente. Deixe-se levar pelas múltiplas sensações que despertam as diferentes tonalidades destes azulejos de uma só cor que, resistentes, sobrevivem neste recanto do Funchal. 

São azulejos de padrão unitário e geométrico, composto por séries paralelas de hexágonos, alongados, debruados a pontilhado e que intercalam os de interior liso com os preenchidos com delicados enrolamentos afrontados. Realizados em pasta de pó de pedra, apresentam decoração em ligeiro relevo, prensada mecanicamente, o que resulta nos diferentes cambiantes de tom verde do vidrado transparente final.  Para um efeito visual mais ritmado e subtil, estes azulejos deveriam estar assentes com o padrão alternado, de modo que as fiadas de hexágonos lisos e decorados não fossem coincidentes, mas esse foi um detalhe que o ladrilhador não respeitou. 

Este é outro belo exemplo da série de azulejos Arte Nova, de produção industrial da Fábrica de Loiça de Sacavém, das décadas de 1910 e 1920. Padrões seriados deste tipo foram amplamente reproduzidos e difundidos em modelos monocromos (verde, castanho-mel, branco, entre outros), mas também nas suas versões policromas, ou seja, vidrados a mais do que uma cor. Vêem-se exemplos por todo o território nacional, sendo que na Madeira apenas se registam casos de aplicações pontuais.

Celebramos ainda, O DIA NACIONAL DO AZULEJO


AZULEJOS DE FACHADA

Fábrica de Lusitânia, Lisboa, ca. 1929-36
Rua do Bispo 36-A, Funchal
A publicidade não é coisa nova e é para se ver! Daí as letras garrafais desta fachada que gritam marca e artigos para venda. São azulejos publicitários da Companhia das Fábricas de Cerâmica Lusitânia, com sede em Lisboa e cuja representação no Funchal estava instalada precisamente neste edifício à Rua do Bispo. A inscrição, em letras de diferentes escalas e espessuras, pintada a azul sobre azulejos brancos, destaca o nome da empresa e anuncia os principais produtos da marca: louças domésticas, artigos sanitários, cerâmica de construção, como azulejos, telhas, tijolos, ladrilhos, mosaicos e afins. De fácil leitura e forte impacto visual este tipo de revestimento era uma solução que associava funcionalidade, durabilidade e visibilidade, requisitos apetecíveis em suportes de propaganda.
Ao longo do século XX tornou-se prática comum o uso de painéis cerâmicos como meio de comunicação visual em fachadas de armazéns, fábricas e estabelecimentos. Funcionavam como autênticos cartazes de cerâmica: duradouros, resistentes e adaptados às exigências da rua. Para além da promoção de produtos, estas composições refletem o grafismo da época, a estética da publicidade e as dinâmicas comerciais das diversas cidades portuguesas.
Aplicado em data posterior a 1929, provavelmente nos primeiros anos da década de 30, este painel testemunha um período de expansão da Fábrica Lusitânia a nível nacional, uma fase em que a empresa adquiriu diversas unidades fabris e instalou centros de distribuição, depósitos e armazéns em várias cidades do país.
Bem sabia Artur Ribeiro o que queria dizer quando escreveu a letra do fado “De quem eu gosto nem às paredes confesso”, porque as paredes falam e esta revela de forma gritante quem um dia dela tão bem se aproveitou. A escassez deste tipo de manifestos, que constituem prova de antigas utilizações de um imóvel, faz-nos pensar na pertinência da sua preservação e beneficiação de modo a continuarem a evocar diferentes etapas da nossa evolução comercial e urbana.

Ainda sobre - O DIA NACIONAL DO AZULEJO

AZULEJOS DE FACHADA
Gresval, Aveiro, ca. 1970-85
Rua do Carmo, n.º 80-A, Funchal
Atenção! Ao passar no troço final da Rua do Carmo, antes da ribeira de João Gomes, não se perca no labirinto de quadraturas infindáveis que reveste o rés do chão desta fachada de portas de vidro. Mas por alguns segundos deixe-se levar pelo efeito hipnotizante do padrão de quadrados concêntricos e observe a vivacidade inesperada das cores destes azulejos industriais.
Estes azulejos de grés, de padrão repetitivo e forte impacto visual, foram produzidos pela Gresval – Fábrica de Produtos de Grés S.A., fundada em 1970, em Águeda, Aveiro. O padrão unitário é formado por seis quadrados concêntricos de cores diferentes e alternadas, que vão do manganês, azul-cobalto, verde, turquesa, até ao cinza. Da repetição deste módulo resulta um efeito em quadrícula, valorizado pelo recurso a uma paleta de azuis e verdes mais vivos intercalada com os tons mais neutros e escuros. O brilho vítreo e translúcido acentua o contraste entre as cores escuras e claras, produzindo reflexos subtis da luz que iluminam e transformam a fachada.
Este tipo de revestimento insere-se numa fase de renovação estética da arquitetura portuguesa, marcada por uma maior abertura à modernidade e à integração de novos materiais industriais de construção em contextos urbanos. O azulejo passa a assumir um novo estatuto, afirmando-se como uma expressão privilegiada da cidade contemporânea, com possibilidades quase ilimitadas de experimentação e combinação de cores, texturas e técnicas. Este legado que já era limitado, é cada vez mais escasso nas ruas do Funchal.

Continuando - O DIA NACIONAL DO AZULEJO


PAINÉIS DE AZULEJOS “FLORISTA”  E “FOLHAS DE BANANEIRA”

Hansi Staël (Budapeste, 1913 – Londres, 1961)

SECLA, Caldas da Rainha, 1957

Oculista Symphronio

Rua João Gago, n.º 14, Funchal

Não é educado perguntar a idade às senhoras. Mas quem acredita que esta jovem florista já entrou na terceira idade? 68 Primaveras passaram e ela continua jovial e garrida, tão fresca como as suas flores. Um verdadeiro regalo para a vista!

Era no interior do antigo “Oculista Symphronio” que se podiam apreciar 2 painéis de azulejos de temas típicos da Madeira. A florista, de traje regional com a sua cesta transbordante de flores bem equilibrada à cabeça e a outra pousada a seus pés, mostrava-se em modo de postal turístico, numa rua calcetada do Funchal. Num plano secundário, não faltava o carro de bois a passar, frente a um prédio. A segunda composição era menor e exibia folhagem de bananeiras sobre um fundo de céu claro, de um dia ensolarado. Neste trabalho cativa a pincelada solta, a aparente simplicidade do traço e a escolha dos tons, coloridos e variados. Surpreende o recorte irregular de ambos os painéis e o pormenor de num deles ter sido usada, a par da pintura cerâmica tradicional, a ancestral técnica de aresta, que subtilmente dá relevo e conduz o olhar para as longas hastes das orquídeas que a vendedora segura na mão e para outras flores variadas que enchem a cesta. A composição original era mais ousada, pois o desenho libertava-se dos azulejos e continuava, fluido e sem contornos definidos, pintado na parede, completando o carro, mas sem a preocupação de incluir os bois. Solta, do lado oposto, outra pintura mural mostrava um apontamento de barcos de pesca, com as redes ao alto e palmeira, remetendo para a pitoresca baía Câmara de Lobos. 

Tradição e modernidade. Esta duplicidade está aqui bem patente e é o atributo que melhor define Hansi Staël (Budapeste, 1913 – Londres, 1961) a autora que assina este inédito revestimento, datado de 1957. Nesse preciso ano a artista, residente em Portugal desde 1946, termina a sua estreita colaboração com a Fábrica SECLA (Sociedade de Exportação e Cerâmica, Lda.), cuja direção artística assumiu em 1954 e onde fundou o Estúdio SECLA, vocacionado para as vertentes de inovação estética e decorativa da produção. 

Não foi possível apurar ainda quem, ou para que estabelecimento foram adquiridos estes painéis. Mas o imóvel, projeto do Arquiteto Raúl Chorão Ramalho (Fundão, 1914-Lisboa, 2002), estava concluído em 1955, pelo que é de supor ser também da sua autoria o arranjo interior do primeiro espaço comercial do rés-do-chão e quem sabe a sugestão da própria encomenda. Em 1967, funcionava aí a representação da Fábrica de Louça de Sacavém na Madeira, pelo que é pouco plausível a aquisição de azulejos criados por um ceramista associado a outra unidade fabril. Em 1968 para aí passou o “Oculista Symphronio”, mantendo-se aberto até este ano. O espaço atualmente encerrado deverá ter outra utilização, pelo que estes belíssimos azulejos não estão de momento acessíveis ao público. Mas neste caso e ao contrário do que reza o ditado, apesar da “jovem” florista estar longe da vista, não está longe do nosso coração.

Continuação do DIA NACIONAL DO AZULEJO

PAINEL DE AZULEJOS FIGURATIVOS

António Quadros (Tondela, 1933-Tondela, 1994)

SECLA, Caldas da Rainha, ca. 1958

Casa do Bolo Caco 

Rua Fernão de Ornelas, n.º 29, Funchal

Quem sabe o que se passa com este casal? Desconhecemos quem são e o que representam. Mas podemos supor. Pela sua nudez, ar desconfiado e um quê comprometido dir-se-ia tratar-se de um Adão agachado, olhando de soslaio para a Eva que dominante exibe o fruto proibido, parcialmente devorado. A tentação venceu e nada augura de bom. A envolvente é escura, as plantas e a água que jorra à direita são ameaçadoras, de tons frios e formas flamejantes. E até as flores, que brotam esporádicas, são vermelhas e amarelas como as chamas. É impossível ficar indiferente a este conjunto de azulejos que, apesar das suas linhas estilizadas, está latente de emoções. 

Ao fundo do estabelecimento, este painel forra um nicho cujos azulejos fogem do formato quadrado, normalizado, e são retângulos dispostos na horizontal na composição figurativa e assentes na vertical os acinzentados das paredes laterais, onde se dispõem alternados os de padrão liso e os geométricos com volumetria. Na base, ao modo de floreira, rematam a frente blocos vidrados nos mesmos matizes de cinza e que repetem, na face frontal, o esquema de padronagem já descrito.

Este original e invulgar revestimento foi encomendado para a loja de decorações de interiores “Decorama” (a funcionar desde 1958), pelo seu proprietário o empresário madeirense Comendador João Silvério Cayres. Porta ao lado, no número 31, este célebre antiquário abrira, em 1950, o seu primeiro estabelecimento de antiguidades “Arte Antiga”. Apostando numa vertente artística alternativa, a “Decorama” oferecia uma variada gama de objetos de arte moderna (pinturas, esculturas, mobiliário, vidros e cerâmicas), daí a escolha de um painel impactante e modernista condizente com o novo espaço comercial. Segundo indicação da Dra. Luíza Clode, antiga diretora do Museu de Arte Sacra do Funchal e dedicada investigadora na área da azulejaria madeirense, estes azulejos são da autoria de António Quadros, pelo que na falta de assinatura esta atribuição é a possível e provavelmente a correta. António Augusto de Melo Lucena e Quadros (Tondela, 1933-1994) era à época um artista emergente, estudante de Belas Artes e bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian, mas que o escrutínio treinado do negociante de arte madeirense soube desde logo detetar. Este artista, que se revelou em áreas tão diversas como pintura, urbanismo, arquitetura, cenografia e escrita, foi também ceramista e entrou para a SECLA, em 1959. A Fábrica SECLA (Sociedade de Exportação e Cerâmica Limitada), nas Caldas da Rainha, tornou-se a partir dos anos 50 um dos polos mais ativos de produção e experimentação de artistas contemporâneos, pelo que é mais que provável que a encomenda deste painel tenha aí a sua origem. Para uma loja que se propunha vender cerâmica nacional, contemporânea e de autor, os contactos com esta fábrica seriam então inevitáveis.